No Brasil, o primeiro caso de contaminação pelo novo coronavírus ocorreu no final de fevereiro de 2020. Em março, foram estabelecidas medidas de isolamento social, e o confinamento chegou. A classe artística foi uma das primeiras a ter suas atividades suspensas. Com os cancelamentos de shows, os músicos trocaram a estrada por suas casas e precisaram se reinventar.
Com a chegada do coronavírus no Brasil, os músicos e suas equipes foram os primeiros a pararem suas atividades, e serão os últimos a voltar. Para esses profissionais, foi trocar o dia a dia na estrada, por suas casas.
“ É uma situação bem complicada, nosso setor foi o primeiro a parar e vai ser o último a voltar, sem nenhum apoio do governo” — Marcelo Gross, músico
Marcelo Gross finaliza disco durante a pandemia
Marcelo Gross, ex-guitarrista da banda Cachorro Grande, conta que fez algumas lives, chamadas por ele de Love Live, desde que levantou acampamento de São Paulo para o Rio Grande do Sul, no início da pandemia. Paralelamente a isso, frequentava um estúdio para finalizar seu disco chamado “Tempo Louco’’. Seu sustento neste período tem sido de direitos autorais de algumas músicas da Cachorro Grande e de editais. “Não poder fazer shows é bem difícil”, diz o músico. Ele acredita que vai ficar mais um ano sem se apresentar para grandes públicos, mas chegou a fazer alguns apenas de voz e violão em lugares seguros, que respeitavam todos os protocolos de saúde e com distanciamento social. “É uma situação bem complicada, nosso setor foi o primeiro a parar e vai ser o último a voltar, sem nenhum apoio do governo. As únicas coisas que podemos fazer são lives e lançamentos de músicas novas. As lives têm uma conexão legal com o público. O pessoal acompanha todos os dias”, conta. Para Gross, não há como o músico reinventar algo que está parado, os músicos estão de mãos atadas esperando a vacina para poder retomar as atividades normais.
Durante a pandemia, Gross lançou quatro singles: “Dança das Almas”, “Carnaval”, “As Lágrimas” e recentemente “Ela não quer”. Os quatro farão parte de seu novo álbum, com 10 faixas. O disco foi gravado em São Paulo no estúdio Clandestino, com o Power Trio (Marcelo Gross na guitarra e vocal, Alexandre Papel na bateria e Eduardo Barreto no baixo). Papel e Eduardo, que já acompanham Gross há dois anos em sua carreira solo, também são gaúchos radicados em São Paulo. Gross diz que está ansioso para lançar o disco que está pronto. A capa acabou de ser finalizada, e vai ter uma edição em vinil, pelo selo 180 gramas. O disco também terá uma composição de Gross com Charles Masters (ex-integrante da banda TNT).
A formação de produtores musicais durante a pandemia
O músico e coordenador do curso de Produção Fonográfica da Unisinos, Frank Jorge, conta que houve muitas mudanças e desafios no curso com a pandemia. A adaptação às aulas por webconferências foi o primeiro desafio. De acordo com ele, é difícil manter uma turma heterogênea, com diferença de idades, interessada e unida, entrando no horário da aula virtual. Frank diz que é preciso um grau forte de equilíbrio para apoiar os alunos, para não se desmotivarem. Em muitos casos, os estudantes não puderam assistir às aulas, principalmente por terem familiares com covid. “Nesses momentos é necessário dar um suporte psicológico para os alunos”, conta.
Manter conteúdos programáticos previstos e intensificar discussões sobre alternativas de interação dos artistas via redes sociais, assim como opções de trabalho como lives, shows e editais foram os caminhos encontrados para analisar com os alunos a situação que a área está vivendo com a pandemia, Frank conta que incentiva os alunos a utilizarem estratégias de comunicação durante a pandemia como forma de manter os artistas em atividade. “É muito importante a regularidade e intensidade de postagens em redes sociais, se divulgando com algum conteúdo”, explica Frank.
Dois festivais dos alunos do curso que ocorreriam em bares de Porto Alegre foram adaptados para lives e produção de vídeos produzidos pelos alunos uploadeados para o IGTV do curso. Foi intensificada a presença de convidados via aulas por webconferências de diferentes setores da cadeia produtiva da música.
Um dos grandes problemas para os músicos durante a pandemia são as alternativas de remuneração. Por isso, os professores do curso estão dando exemplos de músicos que estão fazendo lives remuneradas. Frank diz que as trocas com outros artistas pode gerar possibilidades de produção de gravação de música, EPs e álbuns. Outra saída é a inscrição em editais. “O Pedrinho Figueiredo, por exemplo, dividiu com a turma uma extensa lista de editais permanentes e emergenciais. Essa aula foi muito importante porque o Pedrinho trouxe mais de 10 editais que existem, não só no Rio Grande do Sul”, conta Frank. Pedrinho Figueiredo é flautista, saxofonista, compositor, produtor musical, além de desempenhar outras funções ligadas à música. Nos festivais de música regional no Rio Grande do Sul, recebeu 25 prêmios de Melhor Instrumentista ou Arranjador.
O músico Frank Jorge na pandemia
Frank Jorge, como músico, também participou de várias lives, convidado por diferentes pessoas, do Brasil e do exterior. Entre elas com Eduardo Santos da Loop; com Thunderbird; e com Lúcio Ribeiro, da Popload. Ele entrou informalmente em algumas lives para tocar repertórios solo, da Graforréia Xilarmônica, de música brega, em espanhol, sempre se mostrando disposto a interagir com as pessoas, despojado e em casa, sem aglomerações.
Frank também lançou nove singles, postados de abril a dezembro de 2020. Algumas músicas foram gravadas no final de 2019 e outras há muito tempo, mas que ainda não estavam disponíveis no streaming. “Muito além de parecer uma obrigatoriedade de gerar conteúdo, fiz isso para manter plataformas sociais e digitais” explica Frank.
Frank também concluiu o disco “Nunca Fomos Tão Lindos” em parceria com o músico Kassin, gravado no estúdio Marquise 51. Estavam na gravação somente Frank e o operador de som Beto Silva. “Este período foi também de muito aprendizado”, comenta o músico. Ele abriu conta em uma agregadora digital One RPM, aprendeu a subir as músicas e fazer as capas de seus singles. Essa sua experiência foi também compartilhada.
Scandurra na pandemia
A banda IRA! também enfrentou o desafio de lançar novo disco neste momento. “Teve que ser lançado durante a pandemia pela necessidade artística que sentíamos, após um hiato de 13 anos sem um lançamento de inéditas. Talvez o melhor tivesse sido aguardar o fim da pandemia, mas quando isso irá acontecer? E nossa ansiedade e de nosso público, como ficaria? Resolvemos lançar”, explica o guitarrista da banda Edgard Scandurra.
O confinamento para Scandurra está sendo muito difícil, com muito pouco trabalho. Ele explica que a música é seu sustento diário. Sem ele o bolso aperta. Além do problema financeiro, sente saudade de viajar, entrar no ônibus, nas vans, aviões, hotéis, camarins. Gosta muito das brincadeiras e da expectativa das apresentações. “Tudo isso faz muita falta pra mim e pra toda a minha classe”, conta.
Durante o confinamento passou a tocar, cada vez mais violão em sua casa. Começou a criar composições do nada, “inspiração pura’’. Ele conta que as músicas simplesmente vinham, com partes bem definidas e ele percebeu que podia fazer vídeos com essas músicas. Todas elas estão disponíveis no IGTV do seu instagram mas como Scandurra achou o registro interessante selecionou 11 músicas para postar nas plataformas digitais e lançou o disco solo “Jogo das Semelhanças”. O primeiro lançamento foi em fitas cassetes e o vinil chega no próximo semestre.
Apesar de toda a adversidade, os músicos acabaram aproveitando o período de isolamento para criar e compartilhar as dificuldades com os colegas até que possam colocar de novo o pé na estrada e nos palcos.