Susi Tesch
Sérgio Dias, 72 anos, guitarrista e vocalista da banda Os Mutantes, ele administra sua carreira entre Estados Unidos, Europa e Brasil, é uma grande recompensa que a vida lhe deu. São 56 anos na estrada. “Eu fiz o que quis e nunca fui desonesto em música. Sempre falei e compus o que eu acreditava e sentia”, diz.
Para Sérgio, olhar para trás é uma glória ao relembrar sua longa trajetória na música: “Tá vendo, para todo mundo que sempre falou mal da gente, sempre atacou. Sempre fomos muito criticados. Principalmente quando houve a volta dos Mutantes, com a Zélia Duncan no vocal, em 2006. Inclusive a Rita Lee falou um monte de bobagem, então fica aí agora para eles ouvirem. Já nem sei o número da turnê que estamos.” A banda já passou por diversas formações desde seu retorno, com a saída da Zélia Duncan, assume Bia Mendes que foi back vocal de Rita Lee, e atualmente a vocalista da banda é Esméria Bulgari. Em 2013 Claudio Tchernev assume a bateria no lugar do Dinho Leme.
No momento, Sérgio está voltando aos palcos após pandemia, retornando com a sua rotina de exercícios para se manter em forma, devido ao isolamento social durante a pandemia, ficou um pouco sedentário. Passou dois anos sentado vendo televisão e está difícil quebrar o hábito, ainda que o músico esteja consciente de que terá que voltar a fazer caminhadas e se movimentar mais para ter um pouco de força. O artista sofre de um problema em uma vértebra da coluna, localizado na L5, que se deslocou, chama-se Espondilolistese, o que incomoda no dia a dia. “Isso dói demais, principalmente ao se abaixar, ficar de pé por muito tempo, tenho que dar uma checada nisso, mas isso nunca me impediu de fazer algum show”, desabafa.
Sérgio também teve uma infecção generalizada quando fez uma biópsia da próstata e quase morreu. Recuperado, 15 dias depois tocava nos Estados Unidos, em Nova York, com um cateter, com aproximadamente 60 centímetros de comprimento, introduzido na veia do braço até chegar ao coração para injetar antibiótico direto na veia do coração, mas de jeito nenhum, abandonou o palco. Somente cancelou um show no Brasil, em 2015, porque os médicos o prenderam dentro do hospital. Mas o difícil mesmo são as viagens, “muito cansativas”, diz ele. Na primeira turnê 805, foram 27 mil quilômetros em uma van, com 30 shows em 32 dias. A atual turnê é de onze mil quilômetros. Talvez quando a viagem for acima de 800 quilômetros, Sérgio opte pelo transporte aéreo para poupar as pernas e mande os jovens de van.
SÉRGIO DIAS, guitarrista dos Mutantes
Ser rebelde hoje para Sérgio é continuar a fazer o que quer, quando e como ele quiser. “Ser um indivíduo íntegro talvez seja a maior rebeldia que você possa ter, ainda mais nos dias de hoje”, diz.
“No Brasil, o maior legado que a ditadura nos deixou foi a corrupção. Se vocês soubessem as propostas que eu já recebi na época pra fazer músicas absurdas. Esse mundo é absurdamente podre, então para mim é uma grande glória permanecer íntegro. Isso foi a melhor coisa que eu fiz, eu nunca menti. Eu não minto na música. Eu falo a verdade.” explica o músico.
Aos 71 anos, o músico mantém seu espírito jovem. “Acho que a gente tem que ser jovem. É lógico que a gente muda com a idade, o corpo muda, mas a cabeça é igual. Experiências pelas quais passamos, como perdas e separações. Quando se é criança, geralmente não se tem essas problemáticas. Mas você tem que continuar sentindo, nem que seja uma dor, se você começar a apagar a sua maneira de sentir, aí você está com sérios problemas”. diz Sérgio
Sérgio atende o máximo de fãs que consegue e fica impressionado quando recebe vídeos de crianças de dois anos cantando Ando meio desligado, o que o toca profundamente. Mas o que ele acha muito louco é que em seus shows a maior parte do público é jovem, e não de pessoas com a mesma idade que a sua. “O mínimo a se fazer é manter uma banda que seja viva, que lance discos, que dê a cara a tapa. Não adianta voltar para ser uma banda cover de Mutantes”, fala o guitarrista. O grupo lançou quatro discos desde o retorno – a maior parte das composições são em inglês, mas há músicas em português.
Eles e nós
O músico sempre foi muito respeitado. Disciplinado, estudava doze horas por dia, filho de Clarisse Leite Dias Baptista, compositora, concertista e pianista, a primeira mulher do mundo a escrever um concerto para uma orquestra, cresceu e viveu no Teatro Municipal, por causa do trabalho da sua mãe. Ele tirava peças de Mozart ou Bach, mas com palheta. “É muito mais difícil que você tocar com a mão, na mão você tem quatro dedos para tocar as cordas, com palheta é uma só, então eu estudava e tinha uma técnica impecável” explica o guitarrista. O nível musical dos Mutantes é o exemplo do que foram e fizeram. “Caminhante Noturno é uma casetada para época, o que a gente fez, em termos de orquestra e vocais. O nosso vocal era impecável, ninguém podia falar nada, então eles tinham que engolir a gente”, conta o músico.
Sérgio recorda o primeiro festival Domingo no Parque, achou fantástico quando ouviu a música Ponteio de Edu Lobo e Capinam , interpretada por Edu e por Marília Medalha, música que venceu o festival. Sem ter a menor ideia de quem eles eram, Sérgio foi ao camarim deles. “Eu não tinha a menor ideia que tinham eles e nós. Pra mim eram músicos”, recorda Sérgio. Edu Lobo ficou chocado, quando Sérgio pediu para ele mostrar algo de sua técnica, mas mostrou de boa. Eram muitos músicos bons: Quarteto Novo, o Airton, o Neto Pascoal. No meio de tantos músicos bons, estava Sérgio Dias vivendo tudo isso. Mas ótimo para ele era ser reconhecido como igual, por uma Elis Regina, por exemplo. “Eu tocava, tocava e brincava, então eu sempre fui muito respeitado, o que é muito bom”, afirma o músico.
Indústria fonográfica
O primeiro show, nos Estados Unidos, no retorno da banda, saiu no New York Times, e citaram Sérgio Dias como o mesmo nível de Santana e Eric Clapton, como guitar hero. Isso não é fácil de se conseguir. “Mas no Brasil a música acabou, um absurdo. Se você for pensar comparar com os anos 50 ou anos 60 ao que tá acontecendo hoje, meu Deus do Céu! Lembra da Elis, do César Camargo, do Jairo Rodrigues, do Miltinho. Era uma gama de gente tão boa, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, não acabava mais. Quarteto em si, o Momento Quatro, e era tudo muito avangar. Sem falar do João Gilberto, Tom Jobim. Era uma safra que nunca mais apareceu, infelizmente”, desabafa o músico. O colapso de toda indústria fonográfica, principalmente a questão do CD, destruiu as gravadoras, por causa de pirataria. Quanto às plataformas de streaming, ainda não pagam nada, são os shows que mantêm os músicos.
Os últimos discos dos Mutantes foram lançados por gravadoras. Primeiro pela ANTE, o Haih, gravado em Califórnia, Los Angeles, depois o Fool Metal Jack Lançado em abril de 2013 pela gravadora norte-americana Krian Music Group. Depois teve um outro compacto da música Black and grey lançada oficialmente como single pelos Mutantes através da Kryan Music. A música apela para a mulher de Donald Trump, Melania, para salvar os Estados Unidos do ex-presidente norte-americano. E esse último, o Zzyzx agora lançado por um selo, da gravadora Jardim Elétrico, no Brasil. Sérgio ao descobrir a gravadora com o nome de uma de suas músicas, não teve dúvida, entrou em contato e decidiu lançar o disco pelo selo. Mas a pandemia acabou com a turnê do disco. “Esse disco a gente perdeu. Agora que a gente vai começar a tocar ele. Até agora a gente tocou uma vez”, lamenta Sérgio.
Papo LiSérgico Dias
A última vez que Sérgio tomou ácido foi em Onsemi, na Califórnia, tinha acabado de tocar, e foi ver uma uma apresentação de teatro com dança que estava tendo no local, quando chegou uma menina e insistiu para ele fumar um baseado. Ele não sabia, mas o baseado estava batizado. “Dei um tapa pra ser gentil com ela, eu não estava afim. Porra meu. Eles pingam ácido no baseado. Sai viajando feito louco. Eu e a Lourdes. Nós dois tomamos um belo ácido lá. Quando você toma um ácido inteiro do bom, você morre, como indivíduo. Daí o nome Grateful Dead. Você morre como indivíduo mas tem uma gratificação que é, você virar o todo”, conta Sérgio. Os discos A e o Z e Tudo Foi Feito Pelo Sol foram feitos, concebidos e gravados com LSD. Mas o álbum Tudo foi feito pelo sol, foi gravado em um take. “A gente botou a banda no estúdio, até a mudança de guitarra para violão foi na hora, foi gravado em 50 minutos. Não tinha meio erro. O ácido te dá uma visão, audição” fala o músico.
Kokinho e o santo forte do Sérgio
Tenda do Calvário, germinado com a Igreja do Calvário, situada na rua Cardeal Arcoverde, 950 no bairro Pinheiros, em São Paulo. Kokinho, integrante da banda Patrulha Do Espaço tinha levado alguns ácidos para dar para Sérgio. Mas como Sérgio tem um santo muito forte, sentiu um sono absurdo e foi pra casa, em seguida chegou a polícia, e prenderam todo mundo. “Prenderam o Túlio, coitado do Túlio, imagine, Túlio Mourão na cadeia.” aos risos, conta Sérgio.
“Kokinho ao invés de jogar os ácidos fora, no camburão, onde tem a fresta do ar, tomou uns dez LSDs. Toda vez que o delegado falava alguma coisa, ele subitamente entrava em orgasmos. O delegado mandou soltar todo mundo, por tanto que o maluco do Kokinho sumisse da sua delegacia. É maravilhosa essa vida. Essa questão do ácido é uma coisa muito séria.” relembra o guitarrista.
“O movimento do Flower Power, não aconteceu só nos Estados Unidos. Se fosse pensar no Festival de Monterey, porra o que que nasceu lá? Jimmy Hendrix, Janis Joplin e Ravi Shankar. É uma cacetada, então é esse nível de liberdade que se tem”, conta o músico.